A vida transforma-nos através dos desafios que nos põe no caminho. Aos 32 anos de idade eu estava “um caco”: sofria de síndrome metabólica, fígado gordo, pedras na vesícula, colesterol elevado, artrite reumatóide, e apesar de nunca ter sido obeso já estava de facto a ficar “anafadito”, como uma amiga me disse na altura. Eram “só” 8 ou 10 kg a mais, que se tinham acumulado discretamente desde os 20 anos apesar da minha prática frequente de exercício, mas eram da pior espécie: gordura visceral, com a correspondente inflamação crónica.
Mas isso não me preocupava, pela simples razão de que eu não tinha reparado em nada disso – aquilo que me preocupava era o facto de ter passado de repente a sofrer de hipoglicémias debilitantes que ocorriam depois das refeições. Tinha descido a espiral do vício do açúcar, na tentativa de controlar o incontrolável. Ora, para um trabalhador da indústria da informação (na altura a trabalhar no desenvolvimento de sistemas informáticos complexos) isto não era nada bom – afinal, passar metade do dia com a cabeça “vazia” sem me poder concentrar era algo que tinha um enorme impacto no meu trabalho profissional. E também ao nível pessoal e social, pois uma pessoa em hipoglicémia “vira bicho mau” por causa da reação adrenal de compensação…
Fiz então aquilo que “toda a gente fazia”: comecei o meu calvário dos médicos e restantes profissionais de saúde. Infelizmente, em 2003-2005 a medicina ainda não havia desenvolvido os conceitos necessários ao meu diagnóstico e muito menos a uma terapia eficaz, e isso só se tornou aparente para mim ao cabo de dois anos de sofrimento. Aprendi várias lições fundamentais nessa altura…
- O sistema médico está excelentemente bem preparado para lidar com as situações agudas, traumáticas ou de emergência, mas não tem geralmente a formação nem as ferramentas necessárias para encarar as situações crónicas, fazê-las regredir, ou prevenir o seu aparecimento.
- O responsável último da nossa saúde somos nós próprios; os técnicos de saúde são meros consultores especializados e quem tem a decisão final sobre o nosso próprio organismo somos nós.
- É fundamental que os técnicos de saúde eduquem os seus clientes, para que estes possam tomar as decisões sobre a terapia a executar, possam manter-se motivados a cumprir o plano, e tenham a competência mínima necessária para avaliar corretamente os resultados da terapia.
- A verdadeira missão dos técnicos de saúde é que toda a população aprenda o suficiente sobre saúde para que possa prevenir o aparecimento do maior assassino de hoje em dia: as doenças crónicas não-transmissíveis.
- O estudo continuado e a atualização científica são uma realidade inevitável para os técnicos de saúde, e o pior casamento é aquele entre uma formação adquirida há demasiado tempo e uma arrogância resultante de muitos anos de experiência às cegas, sem retorno real dos resultados das terapias efetuadas. A humildade é portanto condição básica para o bom serviço na Saúde.
Foi neste contexto que me vi dedicado à pesquisa da literatura científica, técnica, e popular, onde vim a encontrar (quase todas) as respostas para os meus problemas. E foi também assim que encontrei os investigadores e formadores e clínicos de ponta que, espalhados por Portugal, Brasil, Espanha, e Estados Unidos, revolucionavam a prática clínica com um novo ponto de vista: se o corpo é um só, não se pode tratar a doença “aos pedacinhos”, órgão a órgão, um de cada vez. Tudo no organismo está ligado e tudo interage, por isso tudo se trata ao mesmo tempo, de forma integrada. Isto sim, já era compatível com a minha perspetiva objetiva de engenheiro, já enquadrava com a cadeia de causa->mecanismo->consequência… Não é possível tratar da saúde sem ter presente a fisiologia e as interações.
E nessa busca surgiu também outra verdade incontornável: o sistema digestivo é a base fundamental da robustez e saúde humanas, e a inflamação que lá acontece afeta todo o organismo de formas às vezes inesperadas. Adotei então o lema de Hipócrates, “que o medicamento seja o alimento, e que o alimento seja o medicamento”, e pus em prática a maior revolução da minha vida: deixei de ouvir “o que se diz por aí”, o que “toda a gente sabe”, e passei a ter atenção e respeito pelo que comia, fazendo escolhas objetivas e informadas.
Reduzi drasticamente a quantidade de hidratos processados, aumentei os vegetais, melhorei a qualidade das gorduras e proteínas, apercebi-me dos micronutrientes que estão cronicamente em falta na cadeia alimentar, aumentei a minha densidade nutricional, e passei a tratar da minha flora intestinal. Estes são os princípios-base por detrás de quase todas as “dietas saudáveis” que por aí andam, o fio comum que as une, por razões biológicas incontornáveis. Ficou cada vez mais claro que a saúde alimentar depende das escolhas conscientes, e não das quantidades controladas ou da moderação. Qualquer regime que dependa do auto-controlo e da força de vontade para vencer está condenado à partida, nunca irá manter-se a longo prazo. Só uma mudança de hábitos profunda e assumida é que é sustentável.
Neste longo caminho de cura cruzei-me também com os problemas de saúde de vários membros da minha família e amigos próximos, que me inspiraram a estudar problemáticas variadas como a autoimunidade e a neurodegeneração. E para minha surpresa e felicidade, aprendi que também elas estão intimamente ligadas ao que se come e o que não se come. Estava então selado o meu destino, era hora de me tornar um profissional da área e ajudar outros no mesmo caminho. Foi aos 39 anos que iniciei a minha reconversão profissional, e hoje aqui estou como Nutricionista ao vosso dispor.
Se em 1998, ao formar-me em Engenharia Mecatrónica, me tivessem dito que um dia iria ser Nutricionista, eu não teria acreditado. Mas como se vê, nunca se sabe quem seremos depois de vencer a dificuldade. As pessoas à vezes perguntam-me: “isso não é uma enorme mudança de área?”. Não, do meu ponto de vista continuo a fazer a mesma coisa: analisar problemas complexos e utilizar as ferramentas disponíveis para desenhar uma solução à medida do cliente.